Por Alex Correia da Silva – pai, educador, convertido, sacerdote do lar e, em breve, avô
Miguel Oliveira, 15 anos, conhecido como o “missionário mirim”, tornou-se o mais recente fenômeno do evangelicalismo digital brasileiro. Enquanto pregações de teólogos experientes mal somam três dígitos de visualizações, Miguel arrasta multidões no Instagram e TikTok com vídeos embalados por fundo musical e declarações do tipo: “Deus me revelou”, “vi em visão”, e a agora célebre frase em inglês de sua autoria:
“Off the king the power demanded the bastard the king of the fairy goes mad.”
(Tradução livre: “Longe do rei, o poder exigiu o bastardo, o rei da fada enlouquece.”)
— surgiu, como sempre, a turba de defensores apressados afirmando que se tratava de “línguas estranhas” ou “espiritualidade pentecostal”. Mas essa tese não se sustenta — nem à luz da Escritura, nem sob o ponto de vista pentecostal clássico.
Primeiro, porque ele mesmo afirmou que falaria na “língua do país” para onde o casal iria, ou seja, em inglês comum, proposital, inteligível — não glossolalia espiritual. Suas palavras foram claras:
“Eu vou falar na linguagem do país para onde vocês vão pisar.”
Ora, se anuncia que falará inglês, é justo e necessário analisar o que foi dito dentro do idioma anunciado. O que encontramos? Um amontoado de palavras desconexas, sem sintaxe, sem coerência semântica, e completamente desprovido de conteúdo bíblico ou teológico.
Isso é inglês? Sim.
Isso é espiritual? Não.
Isso é profético? Definitivamente, não.
“Línguas estranhas” ou palavras desconectadas? A Bíblia responde.
A Bíblia trata do uso de “línguas” com extrema responsabilidade e critério:
“Porque quem fala em línguas não fala aos homens, senão a Deus; pois ninguém o entende, e em espírito fala mistérios.”
(1ª Coríntios 14:2)
“Todavia, se na igreja não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo e com Deus.”
(1ª Coríntios 14:28)
“Se, pois, eu não souber o sentido da linguagem, serei estrangeiro para aquele que fala.”
(1ª Coríntios 14:11)
“Se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha?”
(1ª Coríntios 14:8)
As “línguas” na Bíblia são, sim, espirituais, mas nunca são ilógicas, improvisadas ou usadas como show. Elas têm propósito, interpretação e jamais são ferramenta de vaidade. O que Miguel fez foi outra coisa: um constrangimento teológico, um desastre linguístico e um exemplo claro do que acontece quando se troca o púlpito pelo palco e o evangelho pelo entretenimento religioso.
Adolescentes sob holofotes: entre fé, pressão e exploração
A série da Netflix “Adolescência” (“Adolescence”, no original) é uma minissérie britânica de 4 episódios que explora a radicalização online de um adolescente que, sob pressões digitais e sociais, comete um ato violento. Embora trate de um contexto extremo, o que a série revela com clareza é o peso insuportável que a exposição pública exerce sobre mentes em formação — algo que se repete, em outras proporções, no contexto religioso contemporâneo.
Aplicando isso ao caso de Miguel Oliveira, temos um exemplo claro de adolescente sob holofote, confundido com prodígio espiritual. Colocar um menino de 15 anos como “profeta da geração” não é ministério — é crueldade com roupagem gospel. Não se formam líderes em palanques; se formam no anonimato.
Jesus passou 30 anos no silêncio e na obediência antes de iniciar seu ministério. Hoje, queremos três anos de fama digital antes mesmo de seis meses de leitura bíblica sistemática.
“Há tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou.”
(Eclesiastes 3:1-2)
Como pai, como homem convertido e como avô em formação, eu falo com autoridade
Não nasci evangélico. Quando me separei, era católico. A conversão veio depois, com o quebrantamento e a consciência do que significa ser sacerdote do lar. Hoje, sou casado há cerca de 6 anos com Paula, mulher sábia e companheira fiel nessa nova etapa da vida.
Tenho dois filhos: Adriano, de 18 anos, que vive conosco desde os 12, e Alexia, de 24 anos, que ficou com a mãe e hoje vive com Marcus, seu companheiro, com quem está esperando uma filha — minha primeira neta.
Não sou perfeito. Não sou o “evangélico modelo”. Mas sou um homem que, desde sua conversão, tem orado incansavelmente para que seus filhos conheçam o Cristo que transformou minha história. Oro para que Adriano cresça em sabedoria, e para que Alexia e Marcus se unam formalmente sob a bênção do Senhor — não por aparência religiosa, mas por convicção e aliança espiritual.
“Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa.”
(Atos 16:31)
O problema não é a idade — é o atalho
Deus pode usar jovens. Mas Ele nunca abre mão do processo. Samuel foi chamado ainda menino, mas foi moldado por Eli. Jesus, aos 12, estava no templo perguntando — não decretando destino de nações em vídeos verticais.
“O neófito… ensoberbecendo-se, pode cair na condenação do diabo.”
(1ª Timóteo 3:6)
Miguel, ainda que bem-intencionado, está sendo usado como vitrine por um sistema que transforma fé em espetáculo e espiritualidade em produto.
A culpa? Não é só da internet. É dos adultos ausentes
A responsabilidade é dos pais, líderes, igrejas e seguidores que assistem passivamente ou, pior, alimentam o fenômeno. Criança não deveria ser usada como canal de revelação para multidões. Ela deveria estar sendo ensinada, discipulada, protegida.
“Qualquer que fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse uma pedra ao pescoço…”
(Mateus 18:6)
Conclusão: O Evangelho não precisa de uma fada — precisa de verdade
A frase de Miguel — “off the king the power the best the king the fairy the smile” — pode ser engraçada, confusa ou até perturbadora. Mas é, sobretudo, reveladora. Revela o quanto estamos distantes da sã doutrina, da prudência e do temor.
Como homem que errou, se quebrou e foi restaurado, afirmo: não é o palco que forma um servo de Deus. É o joelho no chão, é o silêncio do deserto, é o tempo de preparo.
E se a igreja não se levantar para proteger suas crianças e instruir seus adolescentes, continuará a produzir profetas de feed — que entregam revelações como entregadores de aplicativo, mas nunca viveram o que pregam.
“Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele.”
(Provérbios 22:6)
E esse ensino começa em casa. No meu lar, ele continua. E agora, com uma neta vindo aí, o meu compromisso é ainda maior — porque o Evangelho que mudou a minha vida precisa chegar inteiro até a próxima geração.
Referências Bíblicas Utilizadas
- 1ª Timóteo 3:2,6
- 1ª Timóteo 5:8
- Oséias 4:6
- 2ª Timóteo 3:5
- 2ª Timóteo 4:3
- Isaías 30:1
- Hebreus 12:6
- Lucas 2:46
- Mateus 18:6
- Eclesiastes 3:1–2
- Atos 16:31
- Provérbios 22:6
- 1 Samuel 3
- 1ª Coríntios 2:15