Na manhã de hoje, 23 de abril de 2025, enquanto eu ministrava uma aula de Matemática para a turma do 7º ano B na Escola Dr. Temístocles Carneiro Teixeira, em Pastos Bons-MA, fui interrompido por uma cena inusitada — e profundamente tocante.
Um grupo de alunas do 6º ano se aproximou da porta da sala. Esperei que fosse algum recado rotineiro da direção. Mas, com delicadeza e sorrisos tímidos, elas me pediram:
“Professor, o senhor pode sair aqui rapidinho?”
Deixei a lousa, os números, os exemplos — e fui até a porta. Ao sair, uma das alunas me estendeu uma cartinha escrita à mão. Sem alarde, com o coração.
“Queremos que você saiba que você é nosso professor favorito e que amamos sua aula […] Obrigado professor Alex.”
— Alunos do 6º ano da Escola Dr. Temístocles Carneiro Teixeira
A carta foi entregue com a espontaneidade que só as crianças sabem cultivar. Mas ali havia mais do que papel e tinta: havia afeto genuíno, reconhecimento e gratidão. Naquele instante, fui lembrado de que a docência é mais do que ensinar conteúdos — é tocar vidas.

A afetividade que rompe a rotina
Em tempos em que a educação se vê pressionada por metas, burocracias e resultados mensuráveis, gestos como esse são um sopro de humanidade. A cartinha rompeu a linearidade da rotina e reavivou o que há de mais essencial na relação professor-aluno: a afetividade.
“A afetividade na relação pedagógica contribui para criar um ambiente favorável à aprendizagem, favorecendo o interesse e o engajamento do aluno.”
— (LIBÂNEO, 2013)
Na prática pedagógica, não há aprendizagem real sem vínculo. O gesto daquelas alunas não foi apenas uma gentileza — foi uma afirmação pedagógica de que o afeto é parte indissociável do processo educativo.
O professor que também aprende
Enquanto lia a carta, uma verdade se impôs com doçura: naquele momento, eu não ensinava — aprendia. Aprendia sobre humildade, escuta e sobre o impacto silencioso que podemos ter na vida de nossos alunos, mesmo sem perceber.
“Todo comportamento inteligente é afetivamente orientado.”
— (PIAGET, 1976, p. 10)
Jean Piaget, ao abordar a relação entre inteligência e afeto, já nos alertava: ensinar é também ser atravessado pela afetividade. Somos formadores de conceitos, sim, mas também — e principalmente — de vínculos.
Valorização no chão da escola
A educação brasileira ainda carece de uma valorização mais ampla e estruturada do magistério. Mas quando um grupo de alunas se organiza para escrever uma cartinha e ir pessoalmente entregá-la, estamos diante de uma forma autêntica de reconhecimento.
“O saber do professor não é neutro nem desprovido de valor; ele é socialmente construído e culturalmente reconhecido, e precisa ser respeitado como tal.”
— (TARDIF, 2002, p. 39)
A carta foi um reconhecimento construído na sala de aula, no contato diário, na paciência das explicações, na presença constante. Foi uma forma de dizer: “Estamos aprendendo com você. E isso importa.”
Paulo Freire e a pedagogia da ternura
Paulo Freire, um dos maiores pensadores da educação mundial, sempre defendeu que a prática docente não se realiza sem amorosidade. Para ele, ensinar exige coragem, esperança e, sobretudo, ternura.
“Ensinar exige alegria e esperança. Ensinar exige capacidade de lutar contra a injustiça, de anunciar e denunciar.”
— (FREIRE, 1996, p. 95)
Aquele pequeno envelope entregue com tanto carinho à porta da sala carrega exatamente isso: alegria, esperança, denúncia da indiferença e anúncio da ternura.
Conclusão: a aula que me ensinou
Naquela manhã, ensinei sobre números. Mas a maior lição do dia foi silenciosa, entregue do lado de fora da sala, por mãos pequenas, com letras ainda trêmulas, mas com uma convicção gigantesca: a de que ensinar vale a pena.
A carta não muda o mundo — mas muda o dia de um professor. E, às vezes, é disso que precisamos para seguir em frente.
Referências
- FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
- LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 26. ed. São Paulo: Cortez, 2013.
- PIAGET, Jean. A afetividade e a inteligência. Rio de Janeiro: Difel, 1976.
- TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.